sábado, 30 de julho de 2011

"Estamos a matar as estradas municipais, onde hoje se morre mais"


Manuel João Ramos, presidente da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados e professor universitário, é o rosto da luta contra a sinistralidade rodoviária no País e alerta que, devido à crise, os portugueses estão a circular cada vez menos pelas auto-estradas, preferindo itinerários complementares

Portugal foi o único País da União Europeia onde aumentou a mortalidade rodoviária no último ano. Porquê?
Sempre que ocorre um processo de motorização mais ou menos rápido é acompanhado por uma descida da mortalidade, porque as pessoas ficam mais familiarizadas com o risco e há sempre tendência para a redução do desastre grave. É a lei de Smeed. E nós, até agora, beneficiámos desta lei. Os números da mortalidade rodoviária têm vindo a baixar desde 2000 em Portugal. Beneficiámos também com o facto do Norte da Europa ter feito exigências no sentido de diminuir o risco rodoviário, que passaram pela melhoria da concepção dos automóveis e pela introdução de um conjunto de instrumentos de segurança activa e passiva, que são fundamentais para a redução da mortalidade.

O parque automóvel também se modernizou.
Tivemos uma grande modernização do parque automóvel. Assim, apesar de os desastres graves não terem diminuído, estes mecanismos salvaram mais vidas. Há uma medida, onde gostamos de pensar que tivemos algum contributo, que foi olhar para os pontos negros e resolver problemas nas infra-estruturas. Nenhum destes factores teve a ver com “avanço civilizacional” dos portugueses que o Ministério da Administração Interna tem referido. Por isso, chegados ao fim deste ciclo, da dita lei de Smeed, este aumento não é de admirar. Até porque a Brigada de Trânsito foi extinta, a PSP tem problemas tremendos em termos de recursos humanos, financeiros e materiais. O sistema de fiscalização não dá re sposta e as multas prescrevem às centenas de milhar a cada ano.


A Justiça é realmente justa quando em causa estão crimes cometidos nas estradas?
Todos estes aspectos contribuem para um sentimento de impunidade que continua muito elevado. Temos processos em tribunais cíveis que chegam aos dez anos. Tanto em termos legislativos como em termos de jurisprudência e de prática de tribunal, temos autênticos desastres. Não temos tipificação de crime rodoviário, que é tratado como qualquer outro crime. Nestes casos não há culpa e o causador de um acidente rodoviário também é uma vítima do desastre. Como ninguém pensa seriamente sobre o assunto, quando a sanção é aplicada, geralmente é simbólica. Portanto, o crime rodoviário em Portugal de alguma forma compensa, porque é mantido impune. A educação para a cidadania rodoviária em Portugal também é uma anedota. O INEM funciona hoje melhor no local, mas o sistema de urgências nos hosp itais não funciona tão bem como o de emergência médica, pelo que as pessoas acabam por falecer mais a 30 dias do que no local do acidente. Por tudo isto, acredito que não foi certamente pela acção governamental que conseguimos reduzir a mortalidade nos últimos anos, mas por factores exógenos. O Governo sabe os números das mortes a 30 dias e foi com números falsos que recebeu um prémio europeu pela redução da mortalidade nas estradas. A estratégia oficial de combate à sinistralidade rodoviária em Portugal tem sido dormir à sombra da bananeira e esconder o problema debaixo do tapete. A sinistralidade rodoviária custa 5% do PIB e por isso gostaríamos de saber o que é que este Governo vai fazer nos próximos anos. Era bom que tivesse uma estratégia e que não morresse com um novo Governo. Reduzir a mortalidade rodoviária a uma questão cultural é uma falácia. É propaganda.

Não é um contra-senso Portugal ter tantas infra-estruturas recentes e 70% da sinalização rodoviária estar incorrecta?
Julgo que 70% é um número conservador. E são vários os contra-sensos. Apostámos tanto na circulação rodoviária que descurámos transportes públicos, estamos a matar o transporte ferroviário - que é muito mais sustentável - e estamos a matar as estradas municipais, onde hoje se morre mais. Aliás, com a falta de dinheiro, há cada vez mais gente a evitar circular em auto-estradas. A tendência é no sentido dos itinerários complementares serem sobrecarregados. E é nestas vias que se encontram alguns problemas, como o de traçado, que contribuem para uma sinistralidade bastante alta. O facto de os transportes de mercadorias procurarem vias sem portagem vai implicar mais sinistralidade grave com mortalidade.

“Portugal tem um grave problema de iliteracia funcional”

Domina várias línguas e tem conhecimento aprofundado sobre temáticas muito distintas. A escola de hoje continua a fo rmar alunos desta estirpe?
Não tenho conhecimento prático dos ensinos básico e secundário, mas parece-me que, apesar da carga burocrática e das agressões do Ministério da Educação às escolas, há vontade de trabalhar e é possível fazer coisas muito interessantes. Há alunos muito interessados. O problema é que hoje, nas minhas aulas, no ensino superior, recebo estudantes que não deviam lá estar. A universidade, tal como a conhecíamos, morreu. O que temos é um sistema empresarial, que se apropriou do nome universidade para vender certificados que iludem as pessoas. E as pessoas sentem uma necessidade ilusória de ter um certificado para fazer qualquer coisa na vida. Quando acabam o terceiro ciclo (doutoramento) estão definitivamente desempregadas e perderam competitividade em relação a quem tem vinte anos. Há pessoas que estariam mais felizes e realizadas se não estivessem a frequentar o ensino superior, e que podiam estar a fazer trabalhos mais práticos. Se queremos ter ensino superior de qualidade não podemos ter massificação. O ensino superior pago não traz excelência, apenas um tipo de mediocridade diferente da mediocridade do ensino superior gratuito. Mas como gerir um ensino superior que seja simultaneamente de qualidade e de massas? Não existe. É um paradoxo. Se é de massas, admitamos que não temos de fazer as pessoas pagar por isso.

Há quem defenda que os acordos de Bolonha não favoreceram a qualidade.
Os acordos de Bolonha vieram trazer ao ensino superior grandes incongruências. Um aluno de doutoramento não sabe mais do que um aluno de licenciatura ou de mestrado. É o efeito da interdisciplinaridade. Como os alunos podem mudar de área entre licenciatura, mestrado e doutoramento, estão sempre a começar do zero. O ensino superior deixou de ser uma espécie de acumulação e de aprofundamento de conhecimento para ser uma espécie de estante de supermercado onde as pessoas podem i r buscar uma ou outra temática. Transformou-se o que devia ser precisamente o motor da universidade, que é o aprofundamento do conhecimento. Tornou-se uma folclorização de comportamentos e uma mercantilização total dos gostos dos consumidores.

Também há pais que se demitem do papel de educadores. Quais são as consequências?
Portugal tem um grave problema de iliteracia funcional, de adaptação da sociedade a formas de funcionamento que exigem raciocínio rápido e articulado. E é por isso que as coisas nos são impostas e nós aceitamos. Não há capacidade de discussão, de argumentação. Temos pessoas completamente empenhadas no seu dinheiro, espaço e tempo, que trabalham, e não são capazes de dar resposta a exigências fundamentais na construção de uma vida familiar. No Norte da Europa trabalhar de mais não é socialmente bem visto, porque isso significa descurar a família. Em Portugal, temos cada vez mais famílias disfuncionais, que não são capazes de acompanhar a vida dos filhos. Temos a disfuncionalidade de uma geração que não se consegue inserir, nem compreender.

Como chegámos até aqui?
Destruímos a nossa economia agrária pelas mãos do então primeiro-ministro Cavaco Silva. E agora é o Presidente Cavaco Silva que nos diz para retornar à economia agrária? Não é possível. Matámos numa geração a possibilidade de ter a mínima sustentabilidade do País, tornámo-nos num País de con-
sumidores de produtos alemães, que nada produz. Com isso, perdemos referências culturais e o mínimo de identidade cultural. Encontramo-nos numa sociedade dita multicultural e ninguém sabe o que fazer dela. Não temos hoje nenhuma outra identidade cultural que não seja a de consumidores e de escravos de um sistema para o qual não contribuímos muito. E basta ver os índices de votação dos portugueses nas eleições europeias. Nós nem percebemos que é a nível europeu que a maior parte das decisões são hoje tomadas.

A Etiópia tem melhores hipóteses de sobrevivência porque não perdeu cultura


No actual momento de crise, que consequências pode ter o desinvestimento do Governo na cultura?
Muito pouco. A cultura tornou--se uma ementa importante na propaganda dos governos. Mas não há no funcionamento escolar e educativo qualquer empenho em dirigir para manifestações culturais e para sensibilização cultural dos jovens. Não há educação para a música, nem para a pintura, e tudo depende do voluntarismo dos professores, num sistema que não premeia estas coisas e as vê como acessórias. Havia muito a fazer, e nunca ninguém fez, no sentido de definir o que é a cultura, porque a única coisa que se tem feito é ver o que se promove lá fora e apoiar esta ou aquele área, só porque parece que esta ou aquela é que está a dar. O meu pai teve um contributo muito relevante na modernização do teatro a partir d os anos 50 e é como se não tivesse existido. Por que é que as vozes incómodas são silenciadas neste País? Precisamente porque não existe a noção de que a cultura se faz de diálogo. Somos um País que vive sob o peso do processo inquisitorial. Uma posição de divergência, de diálogo, de oposição é vista como um anátema. O meu pai sempre achou que o teatro não devia ser subsidiado. Achava que o teatro só devia existir porque o público o queria, caso contrário não devia existir. Os seus pares, que vivem subsidiados, não gostam desta opinião e portanto não o reconhecem como pessoa memorável. O meu pai reflecte a ausência de uma base de valorização cultural da sociedade.

O que podem aprender os portugueses com os etíopes?
Carlos Lopes simboliza o que aconteceu aos portugueses. Éramos um povo de montanheiros, de pessoas magrinhas, pequeninas e que tinham grande resistência física. Hoje estamos sedentarizados ou em frente ao volante, ou em frente ao ecrã. Somos obesos, porque perdemos a capacidade de ter mobilidade própria. O exemplo dos etíopes e dos seus maratonistas devia fazer-nos pensar nas vantagens de não ter tantos carros nem ecrãs. Apesar de saber as dificuldades pelas quais a Etiópia passa, a verdade é que nos próximos anos a Etiópia está mais preparada para o impacto da crise. Nós esquecemo-nos que o petróleo é um bem escasso, ao qual estamos muito agarrados, e nem sei o que faremos ao imenso parque automóvel quando o petróleo passar rapidamente para os três dólares. A Etiópia, que continua a ser um país agrário (cerca de 85%), tem melhores hipóteses de sobrevivência a longo prazo porque não perdeu cultura, nem perdeu capacidade de andar a pé nem de viver com poucos recursos. Nós, que nunca tivemos grandes recursos naturais, nem mentais, e que andamos historicamente a depredar outros países, não podemos pensar que vamos depredar financiamentos europeus.

A crise reaproximou os portugueses dos povos africanos no mundo dos negócios. Que conselhos daria aos empresários interessados em África?
Aquilo que a dita integração europeia nos levou a pensar é que éramos europeus, quando os europeus acham que não somos europeus. A realidade de Napoleão continua mais ou menos clara e a Europa termina nos Pirinéus. Não temos estruturas económicas nem políticas que se possam equivaler. Andamos a comprar e a copiar modelos que não funcionam num País com poucos recursos económicos, infra-estruturais, culturais. Dá-nos a impressão que não somos africanos, mas se calhar somos muito mais africanos do que admitimos. São grandes as nossas semelhanças com o Magreb. Os empresários portugueses têm toda a vantagem em olhar para Espanha, Marrocos, Tunísia. E especialmente para Cabo Verde, que é uma luz muito importante em toda a África Ocidental em termos de ensino, qualidade intelectual. Cabo Verde pode ser uma porta para Portugal perceber que tem um lugar neste mundo, entre Magreb, África Ocidental e Mediterrâneo, e para deixar de alimentar sonhos europeus. n

Um homem de compromisso
Manuel João Ramos, filho do actor e encenador Jacinto Ramos, nasceu em Lisboa, em 1960. É casado e tem três filhos. É licenciado em Antropologia, mestre em Estudos Literários Comparados e doutorado em Antropologia. Dá aulas no ISCTE, e interessa-se por áreas de investigação tão variadas como: Estudos Etíopes, Estudos do Risco, Mitologia Cristã, Literatura de Viagem, Antropologia da Arte, Antropologia Visual, Conhecimento Antropológico, Antropologia do Simbólico e Cognição. Domina ainda várias línguas, como: Espanhol, Francês, Inglês, Alemão, Italiano, Catalão e Amárico (falado na Etiópia). Fundou o Núcleo de Estudos de Antropologia do ISCTE, também o Centro de Estudos de Antropologia Social, é membro de algumas associações internacionais, e publicou cerca de vinte l ivros sobre viagens, mitologia cristã, memória e identidade, pescadores, entre outros temas. É, contudo, mais conhecido pelo público enquanto presidente da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, que fundou em 1999, depois de ter perdido uma filha num acidente no IP5. A perda levou-o à criação da petição Contra a Guerra Civil nas Estadas Portuguesas e, com 10 mil assinaturas recolhidas, achou que tinha uma “responsabilidade” e um “compromisso” para com os portugueses. Desde então tem abraçado a causa e é o rosto da ACA-M.

Fonte: Jornal de Leiria

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Pudim de Laranja

Imagem web

Ingredientes:
  • 2 chávenas (chá) de açúcar
  • 2 chávenas (chá) sumo de laranja
  • 6 ovos
  • 1 colher (sopa) de manteiga
  • 1 colher (sopa) de maisena
Modo de Fazer:

Numa panela, em lume brando, derreta 1 chávena (chá) de açúcar até obter o caramelo.
Forre uma forma de buraco no meio de 22cm de diâmetro com essa calda.
Bata bem o restante dos ingredientes no liquidificador por 2 minutos e despeje sobre o caramelo na forma.
Cubra com papel-alumínio e leve ao forno médio pré-aquecido em banho-maria por 1 hora ou até que, ao enfiar um palito, ele saia limpo.
Retire do forno, deixe arrefecer e leve ao frigorífico por 2 horas.
Desenforme e sirva de seguida.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Documentário "Let's make money" - Ex-assassino económico John Perkins

Documentário de altíssimo nível, essencial para se entender o mundo em que vivemos pela ótica financeira internacional. Dos mesmos criadores do documentário "We Feed the World".

Apesar de todo o velho discurso feito pelos neoliberais de que a globalização traria benefícios para todos os países ajudando a diminuir a pobreza no 3° Mundo, o que viu-se de fato foi em geral aumento desenfreado da miséria, onde o salário de um indivíduo geralmente mal cobre uma pobre subsistência.

O documentário mostra as chamadas "economias emergentes" por dentro, na visão de grandes investidores, bem como o cotidiano miserável dos homens, mulheres e crianças trabalhadoras nesses países.

Mostra também as idéias do Consenso de Washington, responsável pelas políticas liberais que moldaram nosso mundo econômico atual, assim como os mecanismos de colonização moderna como o FMI e Banco Mundial, perpetuando a injusta dívida dos países mais pobres em troca de suas riquezas. Explica o que são os paraísos fiscais, por onde passa a maioria do capital financeiro para encobrir os donos corruptos.

John Perkins, antigo assassino de economias, que também já apareceu aqui no documentário "The War on Democracy", explica detalhadamente como era o seu ofício de levar as riquezas de países de 3° Mundo, sob a supervisão das instituições internacionais.

Passa ainda pela miséria que aflora nos EUA e pelas raízes da crise econômica espanhola causada pela bolha imobiliária.

"Na privatização, a sociedade é privada de um determinado bem ou serviço público no qual um investidor está interessado por razões de lucro."



Fonte da descrição: http://docverdade.blogspot.com/2010/08/vamos-fazer-dinheiro-lets-make-money.html

The Village

Este belo vídeo foi criado pelos portugueses Daniel Espírito Santo, João Botas e Pedro Sousa, todos lisboetas e mostra a rotina de uma pequena vila do distrito de Leiria,  Óbidos, que tem cerca de 3100 habitantes.
Após finalizar as filmagens, os autores aplicaram o efeito de tilt-shift, que dá um ar de miniatura às imagens.
Ficou fantástico!
Ora vejam :


The Village from Pedro Sousa | visuals on Vimeo.

De Portugal para a Moody´s

Depois do video para os finlandeses, chega agora a vez de a Moody's receber um vídeo sobre Portugal. 


Sessão fotográfica de um Ursinho





























































segunda-feira, 25 de julho de 2011

Entrevista a Manuel Sobrinho Simões

A opinião de um português inteligente 
 
O empobrecimento das famílias entristece-o.
A desgovernação do país tira-o do sério.
 
Manuel Sobrinho Simões, médico, investigador e professor universitário,diz que Portugal continua a ser vítima do conflito de interesses que grassa entre as conveniências dos partidos e dos políticos e as necessidades do país e dos portugueses.
Uma análise interessada para ajudar a sair da crise e a permanecer no euro.
Nem que tenhamos de fazer o pino. 
 
_ Como é que avalia a nossa relação com o trabalho? 
 
No nosso país, uma pessoa que trabalhe todos os dias e que tenha de assinar ponto é visto como um falhado. Quando me tornei professor catedrático até os meus amigos de Arouca ficaram decepcionados quando perceberam que a minha vida ia continuar a fazer-se das mesmas rotinas. E mais recentemente, no Hospital de São João (Porto), a maior parte dos professores da Faculdade de Medicina foram contra a fiscalização do horário de trabalho dos médicos através da leitura da impressão digital - o dedómetro - mas eu fui a favor. É humilhante? É.
Sobretudo para quem tem funções de direcção. Mas tem de ser assim, porque infelizmente muitos de nós não cumprimos. Caricaturando a coisa, pode dizer-se que em Portugal só quem não sabe fazer mais nada é que trabalha, isto é, tem uma rotina, cumpre horários, produz e presta contas.
 
_Esses traços são distintivos só dos portugueses? 
 
Não, este problema não é só nosso. A Europa conseguiu garantir boas condições de vida aos seus cidadãos à custa da exploração dos povos e dos países da Ásia, da América Latina e de África. Uma boa parte do Estado Providência assentou na exploração das matérias-primas e do trabalho daqueles países. Com o aparecimento de economias emergentes muito competitivas e a deslocalização das fábricas, a Europa começou a criar menos riqueza e as dificuldades em conseguir manter o chamado estado social começaram a aparecer. Não é por acaso que a França tem de mudar a idade da reforma. É um sintoma. 
 
_Prenúncio do fim do Estado social? 
 
Com o crescimento da Índia, da China e do Brasil, a Europa ressentiuse e as pessoas começaram a perceber que vão ter de mudar de vida, que o tempo das mordomias já passou. 
 
_Mas para nós, portugueses, esse tempo mal começou... 
 
Pois é, mas para nós vai ser ainda pior. Os portugueses, além de europeus, são culturalmente mediterrânicos, o que não nos afasta muito dos gregos, dos italianos e dos espanhóis do Sul, com todas as influências que são ditadas pela geografia, pelo clima e pela religião.
Sermos judaico-cristãos é muito diferente de sermos calvinistas e protestantes. Além disso nunca corremos o risco de morrer de frio e estamos na periferia, não tivemos guerras e ninguém nos chateou. Na verdade, somos muito individualistas e estamos mais próximos dos norte-africanos do que dos povos do Norte da Europa.
Somos um país mais mediterrânico do que atlântico, com todas as implicações que isso tem até na nossa produtividade. 
 
_Então a diferença entre nós e o resto da Europa, sobretudo os nórdicos, não está nos genes? 
 
Claro que não. A diferença entre nós e os nórdicos não está nos genes, é fruto da cultura e da educação, da geografia, do clima e da religião.
Eles tinham frio, era-lhes difícil cultivar cereais e não tinham vinho.
Para sobreviverem tiveram de estimular a inovação e a cooperação. Ao contrário de nós, que tínhamos um bom clima, uma agricultura fértil e peixe com fartura. E depois tivemos África, a seguir o Brasil e logo os emigrantes. Não precisámos de nos organizar e não precisámos de nos esforçar. Não era preciso. Não planeávamos, desenrascávamos.
Continuamos assim, gostamos de resolver catástrofes.
 
_É sindicalizado? 
 
Não. 
 
_Fez greve? 
 
Sim, eu e a maioria dos professores de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina. Fizemos greve e estamos furiosos mas assegurámos o serviço no hospital e demos aulas na Faculdade, onde também não faltámos por causa dos alunos. É uma questão de respeito. 
 
_Estão furiosos com quê? 
 
Com a desgovernação. Não é só com a desgovernação do actual governo, é com o desnorte dos últimos vinte e tal anos. O que nos está a acontecer não resulta apenas da desorientação dos últimos dois anos, já há muito que gastamos acima do que podíamos e devíamos. E o mais grave é que demos sinais errados às pessoas. Agora, vamos ter de evoluir de novo para uma sociedade com capacidade de produção real, com agricultura e pesca. 
 
_Mas todos temos na memória os subsídios que foram concedidos aos agricultores para não produzirem. 
 
Foi terrível. E para piorar as coisas, muitos ficaram deprimidíssimos e frequentemente alcoólicos. Destruíram as vinhas, a sua âncora, que lhes dava prestígio e dignidade pessoal nas suas comunidades, e começaram a passar os dias na taberna. Isto aconteceu em todo o Minho. E no Alentejo também.
 
_Podemos dizer que o nosso super-Estado tem descurado as necessidades reais dos cidadãos e da sociedade?
 
Desde o tempo do Dr. Salazar que o Estado faz questão de proteger os seus e nós temos aprovado esse amparo. Mas os nossos cidadãos não têm grandes conhecimentos e perguntam pouco, até temos aquela afirmação extraordinária que é «se não sabes porque perguntas?». Ora quando temos dúvidas é que devemos perguntar. Por estas e por outras, nas últimas décadas, dominado por ciclos eleitorais curtos, o Estado passou a viver acima das suas possibilidades e a substituir-se à realidade. E, de repente, a realidade caiu em cima do povo.
 
_Os portugueses têm razões para se sentirem enganados ou não quiseram ver a realidade? 
 
As duas são verdade. Podemos ofuscar o real durante algum tempo, mas não para sempre. As imagens da Grécia, com reformas aos 55 anos ou até mais cedo para as chamadas profissões de desgaste rápido, permitiram-nos perceber que se eles tinham entrado em colapso também nós corríamos o risco de vir a acontecer-nos o mesmo. Até essa altura, creio que muitas pessoas acreditavam, lá no seu íntimo, que nem os países, nem a segurança social, nem o Serviço Nacional de Saúde (SNS), nem as câmaras municipais podiam entrar em bancarrota. Agora já perceberam que isto pode mesmo entrar em ruptura. Para já reduziram até dez por cento o ordenado dos funcionários públicos, mas no ano que vem pode vir a ser necessário chegar aos vinte por cento. E que é que adianta andar a papaguear que é inconstitucional e que mexe com os direitos adquiridos? Se não há dinheiro o que é que se faz? Esta questão é que tem de ser respondida. 
 
_Não há dinheiro para o Estado social mas tem havido para obras e infra-estruturas. O que pensa disto? 
 
Eu não sei o suficiente para perceber quando é que é necessário um novo aeroporto em Lisboa ou em Beja. Mas como sou um prático, penso que se não é preciso no imediato e temos falta de dinheiro, então temos de investir na criação de riqueza e de emprego e não em obras que têm um retorno mais longínquo. 
 
_Não quer um TGV para o Porto? 
 
Eu não. O que quero é que a TAP faça voos mais baratos. Um bilhete Porto-Lisboa-Porto custa 283 euros, o mesmo que gasto para ir a Oslo.
O comboio que temos, o Alfa e o Intercidades, já é muito cómodo mas para ir a Lisboa não é prático, ou nos levantamos de madrugada ou perdemos metade de um dia. O que também necessitamos é de nos ligar à Galiza com mais eficiência porque o aeroporto do Porto tem condições para ser o grande aeroporto do Noroeste peninsular. 
 
_Se fosse governante imagina-se a discutir tantas vezes os mesmos assuntos? 
 
Não. Falta-me experiência política, não tenho treino de negociação.
Mas assusta-me saber que há tantas dúvidas sobre investimentos monstruosos. Não consigo perceber porque se continua a discutir a ligação de Lisboa a Madrid por TGV quando aquilo não tem hipótese nenhuma de ser sustentável. 
 
_Os impactes da crise económico-financeira foram durante muito tempo menosprezados pelos governantes. O que pensa disso? 
 
O que senti e sinto é que se não fosse este governo, se fosse outro, teria sido exactamente a mesma coisa. Temos uma crise económicofinanceira, mas também temos uma crise de líderes - os políticos portugueses gritam muito contra o estado das coisas e, depois, para ganharem eleições adoptam um discurso demasiado optimista. A primeira coisa que todos os que venceram eleições nos últimos anos fizeram foi, uma vez eleitos, dizer que isto estava uma tragédia. E toda a gente sabe que a maquilhagem do défice foi feita à custa de receitas extraordinárias quer por governos do PS quer do PSD. 
 
_Somos ingovernáveis? 
 
Os nossos líderes e os seus partidos vivem mais para ganhar eleições do que para servir o país e os interesses da nação. Na administração pública até os directores-gerais cessam funções quando há mudança de governo. Ora é óbvio que, assim, qualquer um quer que o seu partido continue no governo, se não corre o risco de ir para a rua. O nosso individualismo militante e a fragilidade organizativa contribuem também para a ingovernabilidade. 
 
_O Estado é refém da administração pública? 
 
O Estado deixou desenvolver, no seu seio, várias corporações, cada uma mais egoísta do que a outra - juízes, médicos, professores, militares, etc. Além disto, partidarizou a administração pública e passou a fazer concessões despudoradas aos chamados novos poderes, aos construtores, à banca, à comunicação social. Isto já não é culpa do Dr. Salazar. 
 
_O FMI vem aí? 
 
Todos os tipos em quem eu confio dizem que sim, por isso acredito que sim, que está no vir. Ainda há dias estive numa reunião com João Cravinho, António Barreto e Rui Rio e esse foi um dos temas da conversa. A conclusão foi de que a vinda do FMI será provavelmente inevitável. 
 
_Sente o orgulho beliscado por ter de ser o FMI a pôr ordem na nossa casa? 
 
Não, de todo. Mas não sei o suficiente de economia para perceber o que é que a intervenção do FMI vai implicar. Vão mudar o sistema das reformas, as pensões, os impostos? Nós já temos uma carga fiscal enorme, tenho assistido com muita tristeza ao empobrecimento da classe média portuguesa. Se a intervenção do FMI empobrecer ainda mais a nossa classe média e as famílias mais desfavorecidos ficarei muito triste. 
 
_Pensa que esta crise vai ser pior do que as outras? 
 
Penso, infelizmente sim. E quando ouço os economistas falarem ainda fico espantado. Como é que eles não se aperceberam de que aumentando progressivamente o défice tínhamos uma receita para o desastre? Sei que vamos ter de mudar de vida. Se tivermos de o fazer num contexto de protecção da Europa e do euro prefiro a solução FMI a ter de saltar do euro e ir para soluções do domínio da magia, com a desvalorização da moeda, altivos e sós. 
 
_Afirmou várias vezes que o que de melhor nos aconteceu foi a entrada no euro. Foi uma oportunidade perdida? 
 
Foi uma oportunidade muito mal aproveitada, mas teria sido muito pior para o país e para os portugueses se não tivéssemos entrado.
Desbaratámos as vantagens da entrada no euro sem que os cidadãos tenham sido alertados para as fragilidades que vieram com a moeda única. Limitámo-nos a ser os recipientes líquidos de uma quantidade enorme de dinheiro em vez de aproveitar esses fundos para desenvolver e inovar. Não é por acaso que temos automóveis de luxo, iates e terceiras casas numa quantidade que é obscena relativamente ao nível de vida da população.
Ainda assim, defendo que, se for preciso, devemos fazer o pino para nos mantermos no euro. Prefiro ficar sob o domínio da Europa do que ficar apenas entregue aos jogos políticos portugueses. Estamos na pontinha da Europa, se isso acontecesse, connosco sozinhos e em roda livre, seria mortal. 
 
_Acha que os países europeus mais fortes, nomeadamente a Alemanha, vão continuar a tolerar os nossos esquemas? 
 
Não. Vão ser implacáveis porque é a Europa e o projecto União Europeia que estão em causa. Este ano, só a Índia vai pôr no mercado mais engenheiros do que todos os 27 países da Europa. O que é que a França ou a Alemanha representam na competição com a Índia? As pessoas não têm consciência da nossa dimensão. Eu dou aulas na China, em Chengchow, uma cidade que ninguém conhece a sul do rio Amarelo, na província de Henan, onde fica o templo de Shaolin. Só esta província tem cem milhões de habitantes e a cidade de Chengchow tem sete milhões. É outra escala. O campus universitário de Chengchow, onde estão sempre uns guardas de metralhadora em riste, é simplesmente enorme. Os hospitais não são apenas maiores, são melhores do que o São João, aqui no Porto, ou o Santa Maria, em Lisboa. Não estamos a falar de Xangai, de Hong Kong ou de Pequim, essas são cidades extraordinárias. Estamos a falar de uma cidade de que não se ouve falar mas que tem uma universidade que é uma coisa de um mundo que já não é o nosso. Isto para dizer que a Europa ou se enxerga ou desaparece. 
 
_O estado a que isto chegou era evitável? 
 
Fomos sempre muito bons a avaliar meios, mas nunca quisemos avaliar os resultados. Nos hospitais vejo muita gente preocupada em discutir o número dos médicos, enfermeiros, consultas e exames realizados. E não se discute o mais importante que é a frequência das complicações e da mortalidade dos doentes, os reinternamentos, a sobrevida dos doentes com cancro aos 5 anos, etc. O que precisamos de conhecer é a quantidade e a qualidade de vida dos doentes que são tratados em cada um dos nossos hospitais, mais do que avaliar os meios. O mesmo sobre os blindados da PSP. Não quero saber se comprámos dois ou seis. O que precisamos de saber é como e quanto é que a eficiência da PSP aumenta com os ditos blindados. Nós fugimos aos «finalmente». Não temos cultura de avaliação. 
 
_Entretanto as universidades formaram muitos jovens. Eles não têm lugar em Portugal? 
 
Pois não. Nesta altura não há espaço para os jovens. Os muito bons vão logo para fora e os outros também vão, ou como bolseiros ou já como profissionais. E eu acho que é uma boa solução para o país - por exemplo, entre enfermeiros, médicos e médicos dentistas temos uma leva de emigrantes diferenciados em Inglaterra de que nos devemos orgulhar. 
 
_Precisamos dos povos do Sul ou temos de rumar para sul? 
 
África oferece imensas oportunidades mas ainda tem problemas com a segurança, a política, a organização. Há muitas oportunidades de negócio no retalho, na construção, nas energias, até na saúde, um sector que não tem um retorno tão imediato mas que também é rendível e socialmente muito importante. A América do Sul também é um destino a equacionar, embora os estados do Sul do Brasil sejam muito desenvolvidos e também tenham jovens com muito boa formação
universitária. 
 
_Se fosse governante o que é que mudava? 
 
Melhorava a educação, mas fazia-o com seriedade. Temos os miúdos na escola, e bem, mas não acautelámos a qualidade do ensino. Vejam-se os resultados dos estudos PISA, onde os nossos alunos, comparados com outros da mesma idade e de outros países da OCDE, revelam competências muito baixas nos conhecimentos da língua materna, da matemática e das ciências, três instrumentos básicos. Isto é um problema gravíssimo. 
 
_Defraudámos as expectativas das famílias? 
 
Completamente. Há muitas famílias cujos pais fizeram sacrifícios enormes para custear os estudos dos filhos, inscritos em universidades privadas e em cursos que não têm saída. As pessoas não entendem.
Disseram-lhes que o diploma era importante. Por outro lado, não faz sentido que tenhamos 28 cursos de arquitectura em Portugal. E outros tantos de tecnologias da saúde. Aqui no Porto, em instituições privadas, os enfermeiros estão a ganhar cerca de quatro euros por hora. 
 
_Já os seus alunos têm boas perspectivas, pois faltam médicos. 
 
Os alunos de medicina também estão assustados com o futuro. Já não sabem se vão poder fazer a especialidade que gostariam, ou se serão forçados a adaptar-se às vagas que existirem e às condições de trabalho e de remuneração que lhes forem impostas. 
 
_O SNS está ameaçado? 
 
Em termos de sustentabilidade, está. Mas o último relatório do Tribunal de Contas vem dizer que as soluções de gestão que foram introduzidas nos hospitais-empresa, muitas vezes à revelia dos profissionais, não funcionaram. A saúde é um bem imaterial, não é um bem que se venda a retalho. Como a educação. Os serviços assistenciais também vivem da manutenção do respeito pelos pares, e as hierarquias não são apenas funcionais, são também de competência. 
 
_Ainda defende a regionalização? 
 
Sim. 
 
_E não teme que sirva sobretudo para criar mais uma casta de burocratas? 
 
Defendo-a mas confesso que tenho muito medo, precisamente por causa disso. 
 
_E defende a criação de mais estruturas, para além das que existem? 
 
Não, isso não. Para já defendo que se avance com as regiões que temos e à experiência, com líderes e profissionais que já deram provas e sem cargos de confiança política. As regiões precisam de autonomia e não podem ser extensões de outros poderes. Sou a favor da regionalização dos serviços de saúde e de ensino, incluindo as universidades. 
 
_Com a crise corremos o risco de nos tornar um país mais desigual? 
 
Em relação à Europa já somos dos piores e agora a desigualdade vai agravar-se. Quer o número de pobres, quer a diferença entre eles e os muito ricos, não cessam de aumentar. Vamos ter de criar alguns mecanismos de suporte para ajudar as pessoas que estão aflitas e eu tendo a valorizar os mecanismos da sociedade civil, por exemplo o papel das misericórdias. A filantropia social está desaproveitada - há muito boa gente com competências, vontade e redes sociais a funcionarem bem. Não podemos deixar pessoas morrer à fome e ao frio e não
podemos deixar de dar leite às crianças. 
 
_Taxar mais a riqueza pode fazer parte da solução? 
 
Taxar mais a riqueza não resolve nada, primeiro porque calculo que os poucos milhares de muito ricos que temos em Portugal não têm cá a massa e, se tiverem, não serão facilmente taxáveis. Mais impostos também não. Para aumentar a produtividade temos de ser mais competitivos e receio que, a curto prazo, com ou sem FMI, tenhamos de baixar ainda mais os salários. Uma coisa é certa: temos de pagar as nossas dívidas porque se não o fizermos ninguém nos empresta dinheiro. 
 
_Contacta com muitos cientistas e investigadores estrangeiros. Como é que eles nos vêem? 
 
Na ciência não há grandes diferenças entre nós e eles. Em algumas especialidades médicas também não. Por exemplo, os patologistas que conheço têm vidas muito parecidas com a minha, não há grandes diferenças sociais. Já um reumatologista ou um cirurgião português que tenha actividade privada ganha bastante mais do que um colega do centro da Europa. 
 
_E na sociedade? 
 
Na sociedade há bastantes diferenças. Nós não fomos eficientes em criar riqueza, nem conseguimos deixar de gastar mais do que produzimos. Há mais de trinta anos que vou com frequência à Noruega e lembro-me de eles serem relativamente pobres quando nós éramos razoavelmente ricos. Um médico norueguês vivia pior do que um médico português, um advogado também. Nunca conheci um casal norueguês da classe média que tivesse dois carros e muito menos uma empregada de limpeza. Eles agora vivem com algum conforto mas nunca gastaram mais do que aquilo que produzem. As receitas das reservas de petróleo e de gás estão aplicadas num Fundo, não estão a ser gastas e muito menos ao desbarato. 
 
_Enquanto nós desperdiçamos o que pedimos emprestado... 
 
Nós somos mal governados em parte por culpa própria, em parte pela escassez de líderes exemplares. Gosto muito dos países nórdicos, aprendi imenso lá, toda a minha família aprendeu. Na Noruega, na Suécia, na Finlândia, não corremos o risco de ser atropelados quando atravessamos a rua. Eles quando bebem não conduzem, vão para casa de táxi. E um ou outro que o faça é alvo de medidas sérias de repreensão económica e social e vai para a prisão. Nos países nórdicos,
o exemplo conta e quem não é exemplar é punido socialmente. 
 
_Os portugueses são condescendentes? 
 
Pior, nós admiramos o sucesso do aldrabão. Em Portugal não há censura social para a esperteza saloia nem para a corrupção a que passámos a chamar informalidade. Pelo contrário, admiramos os esquemas, os expedientes. Vivemos deles. 
 
_Mas depois queixamo-nos. 
 
A nossa tragédia é que somos um povo pré-moderno. Não perguntamos, não responsabilizamos, não exigimos nem prestamos contas. Não temos a literacia nem a numeracia necessárias. Outro problema é a falta de transparência, a opacidade. Olhe o que se passou com o BPP e com o BPN, histórias tão mal contadas. 
 
_A evasão e a fraude fiscal são duas das grandes marcas nacionais. A corrupção é outro crime sem castigo. 
 
Não metemos ninguém na cadeia, deixamos os problemas eternizarem-se sem punições, mas também não recompensamos ninguém. O Estado é burocrático, não nos deixa avançar, mas dá-nos segurança. A nossa tradição é empurrar os problemas com a barriga esperando que se resolvam por si. Quando as coisas dão para o torto somos injustos ou por excesso ou por defeito. Quem tem muito poder económico pode recorrer a expedientes e a mecanismos dilatórios que são usados de maneira desproporcionada. Quem não tem esse poder é totalmente vulnerável. Somos demasiado tolerantes, somos condescendentes, no mau sentido, aderimos mais ao tipo que viola a lei do que ao polícia.
Temos afecto pelo fulano que faz umas pequenas aldrabices, admiramos secretamente os grandes aldrabões, não punimos os prevaricadores. Na verdade somos contra a autoridade. 
 
_Tem 63 anos e é funcionário público. Já meteu os papéis para a reforma? 
 
Não, não sei fazer mais nada além de trabalhar. E fui sempre funcionário público, não me imagino a trabalhar numa actividade privada. O meu pavor é pensar que um dia talvez não possa trabalhar.
Às vezes sinto-me um pouco desconfortável por ter de responder a tantas solicitações burocráticas no dia-a-dia, mas pior será quando deixar de trabalhar. 
 
_Continua a ser leitor compulsivo de jornais? 
 
Fico nervoso se não tiver jornais. Leio muitos, sobretudo semanários e estrangeiros. Infelizmente gasto cada vez mais horas diárias a ler revistas científicas. Não tenho tempo para ler literatura de novo isto é, quase só releio. A falta de tempo é o meu maior problema. 
 
_O que é que o faz perder a paciência? 
 
A irresponsabilidade e a incompetência, não sei o que é pior. Sou um exaltado mas já não tenho idade para fazer fitas. Disfarço melhor, mas se sou apanhado de surpresa é tramado. 
 
_E o que é que o faz dar uma boa gargalhada? 
 
Sorrio mais do que rio e acho uma graça especial aos meus netos.
 
 
BI
Médico, investigador, professor, contador de histórias.
O Norte e o Porto são o seu território, o Hospital de São João e a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto a sua casa, o Ipatimup (Instituto de Patologia e Imunologia Molecular) a sua ilha.
Uma ilha que está ligada aos cinco continentes através da ciência e do ensino.
Manuel Sobrinho Simões, 63 anos, prémio Pessoa em 2002, recebeu muitas outras distinções nacionais e internacionais e é um dos mais consagrados peritos do mundo em oncologia, sobretudo em cancro da tiróide.
Sobrinho Simões é um português ao serviço da humanidade.
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