terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ups, esqueci-me da criança !

Ups, esqueci-me da criança!

9/20/2011

Por Raquel LitoFalava, falava, falava, sem esperar resposta. Fátima Fernandes, professora, 40 anos, estava entretida com a própria conversa, enquanto conduzia o Ford Escort azul, e por isso não estranhou o silêncio da filha mais nova, nem olhou para o banco de trás. Só depois de ir buscar a mais velha, Sofia, de 12 anos, à Alliance Française, na Lousã, às 20h, comentou: “A tua irmã não responde?” Sofia olhou para o banco de trás e deu-lhe então a notícia: a irmã Raquel não estava lá.

Fátima conduziu calmamente até casa, em Miranda do Corvo. Tinha a certeza de que a encontraria pelo caminho. E ao fim de meia hora, numa noite de geada, em Janeiro, viu Raquel, de 8 anos, que a aguardava, furiosa. Tinha andado dois quilómetros pela serra, ainda lhe faltavam seis para chegar a casa. Hesitou na bifurcação, debaixo de um candeeiro. “Tive medo, mas sabia que haveria de encontrar a minha mãe”, diz à SÁBADO.
Quando saíam da casa da avó materna, Fátima pediu a Raquel que a ajudasse a fazer a manobra fora do carro. Só que depois arrancou e nem olhou para trás. Raquel não quis preocupar a avó e decidiu ir sozinha para casa.
Fátima considera-se uma mãe zelosa e até conta histórias que provam que não foi a única a ter um esquecimento destes. Por exemplo, a do casal conhecido que, atarefado a carregar o carro para uma viagem à Mealhada, deixou para o fim a alcofa do bebé de 4 meses. Partiram os dois de Bragança e pararam no Porto, para a mãe amamentar. Foi nesse momento que perceberam que o bebé não estava. O pai exaltou-se, a mãe tentou manter a calma e conduziu para casa. Quando lá chegaram, a criança estava a chorar, com fome.

Num ateliê de tempos livres, no Alto de Santo Amaro, a auxiliar Anabela Monteiro, de 48 anos, teve de resolver uma situação bizarra: quando o espaço encerrou, nem a mãe nem a avó apareceram para levar a miúda de 8 anos – a avó pensou que a mãe tivesse ido buscá-la e vice-versa. A funcionária levou a criança para sua casa e deixou um recado à porta da escola, com a sua morada. Às 22h, apareceram as duas, a pedir desculpa.
Também já houve um caso inverso, com um casal que devia ter levado o filho de 8 meses para a creche às 9h. Mas às 13h, quando conversaram, concluíram que nenhum tinha transportado o bebé. “Foram para casa a correr, a passar sinais vermelhos”, conta o pediatra Libério Monteiro.
Um médico de um hospital de Lisboa, pai de cinco filhos, subiu à sua casa no 8.º andar e sentou-se extenuado no sofá. Tinha estado de banco durante 24 horas e fora buscar o filho de 3 anos ao infantário. Ao fim de 15 minutos sentado, deu pela falta do filho. Tinha-o deixado no carro. “Até falou aos colegas do episódio, que só aconteceu uma vez”, conta o psiquiatra José Neves Cardoso.

Só que uma distracção pode bastar. Em 2010, um bebé de 9 meses morreu em Aveiro, fechado no carro do pai, que foi trabalhar e esqueceu-se de levar a criança ao infantário, deixando-a ao sol durante três horas. Em Portugal não há estudos sobre estes acidentes, mas nos Estados Unidos calcula-se que haja 15 a 25 casos idênticos por ano, segundo o artigo Distracção Fatal, publicado a 8 de Março de 2009 no jornal Washington Post, e que venceu o Pulitzer 2010 na categoria de Reportagem Especial. As mortes dão-se por hipertermia (aumento excessivo da temperatura do corpo) e acontecem mais na Primavera e no Verão. Por isso, a organização sem fins lucrativos Kids and Cars defende a criação de uma lei para a existência de sensores no banco de trás que fazem disparar um alarme quando é detectado um peso, depois de o condutor tirar a chave da ignição.
Esquecer os miúdos durante uns minutos não é difícil. Aconteceu com um divorciado que levou as filhas, de 9 e 7 anos, e dois sobrinhos a almoçar ao Centro Comercial Vasco da Gama, no Parque das Nações, em Dezembro de 2010. Seguiram para o cinema, onde ficaram em lugares separados. O programa terminou com um susto: no parque de estacionamento o homem reparou que lhe faltava o sobrinho de 9 anos. Voltou ao centro comercial e encontrou-o facilmente.

Bem mais teve de esperar uma miúda de 3 anos, levada às urgências do hospital de Águeda pelos bombeiros, às 15h. O enfermeiro Jorge Almeida lembra o caso, muito comentado no serviço de pediatria, onde a miúda ficou à espera dos pais. Estava assustada, mas bem. Só não sabia dizer onde morava. A mãe apareceu às 20h, com uma desculpa estranha: “Pensávamos que tínhamos deixado a menina em casa da avó.” Na verdade, tinham-se esquecido dela nuns escorregas junto a uma feira de leitão.
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Nota : Isto lembra-me algo semelhante... o abandono e "esquecimento" de idosos.
Todos os anos na época das férias e do natal também muita gente "se esquece" dos idosos nos mais variados lugares, particularmente nos hospitais onde depois até dão moradas falsas e desligam os telefones quando são avisados que o familiar idoso já teve alta.


Salvo as devidas excepções, parece este ser o reflexo da nova sociedade em que nos tornámos.
Egoístas, irresponsáveis, pouco solidários e sem nenhuma consideração pelos outros seres, sejam humanos, sejam animais porque estes, também não ficam de fora desta "amnésia" geral.



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