Foi numa manhã, mais precisamente no dia 19 de Agosto de 1839, que a fotografia se tornou de domínio público em território francês.
O anúncio oficial foi feito na Academia de Ciências e Artes de Paris, pelo físico François Arago, que explicou para uma platéia espantada os detalhes do novo processo desenvolvido por Louis Jacques Daguerre.
O físico apresentava e doava ao mundo o daguerreótipo.
Naquele momento o ato parecia uma mágica.
Uma caixa escura, ferramenta capaz de captar e fixar numa superfície o mundo "real".
Dizem as lendas que em seguida à cerimónia várias pessoas saíram para as ruas em busca de uma máquina de fazer daguerreótipos e essa vontade de produzir imagens nunca mais cessou.
Daguerre não perdeu tempo.
Antes de doar seu invento a França já havia patenteado o mesmo nas Ilhas Britânicas, Estados Unidos e nos quatro cantos do mundo.
"De hoje em diante, a pintura está morta" declarava o pintor Paul Delaroche.
Nos círculos mais conservadores e nos meios religiosos da sociedade, "a invenção foi chamada de blasfêmia, e Daguerre era condecorado com o título de "Idiota dos Idiotas''".
O pintor Ingres, ainda que utilizasse os daguerreótipos de Nadar para executar seus retratos, menosprezava a fotografia, como sendo apenas um produto industrial, e confidenciava: "a fotografia é melhor do que o desenho, mas não é preciso dizê-lo".
Baudelaire, um dos mais expressivos representantes da cultura francesa, negava publicamente a fotografia como forma de expressão artística, alegando que "a fotografia não passa de refúgio de todos os pintores frustrados", e, sarcasticamente, celebrava a fotografia "como uma arte absoluta, um Deus vingativo que realiza o desejo do povo. e Daguerre foi seu Messias. Uma loucura, um fanatismo se apoderou destes novos adoradores do sol".
Com estas declarações, Baudelaire refletia o impacto causado pela fotografia na intelectualidade européia da época".
Um artigo publicado no jornal alemão Leipziger Stadtanzeiger, ainda na última semana de Agosto de 1839, ajuda a compreender melhor este confronto:
"Deus criou o homem à sua imagem e a máquina construída pelo homem não pode fixar a imagem de Deus. É impossível que Deus tenha abandonado seus princípios e permitido a um francês dar ao mundo uma invenção do Diabo".
(Leipziger Stadtanzeiger ,26.08.1839, p.1)
A nova concepção da realidade conturbou o mundo cultural e artístico europeu.
Como entender que a fotografia viesse para ficar, a não ser em substituição das tradicionais formas de representação?
Já se havia gasto vãs sutilezas em decidir se a fotografia era ou não arte, mas preliminarmente, ainda não se perguntara se esta descoberta não transformava a natureza geral da arte e da cultura.
A nova invenção teve importância mais filosófica do que científica.
Nasceu dentro do germe da sociedade industrial e a partir desta data o mundo nunca mais seria o mesmo.
Por Enio Leite - Focus Escola de Fotografia
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